Todos os julgamentos são políticos, quando os crimes prováveis se cometem contra a República. São políticos,
se levamos em conta que as vítimas são os membros da comunidade lesada,
no caso em que tenha havido os delitos apontados. A partir desse
raciocínio, não há como desacreditar, in limine, o volumoso
processo contra parlamentares, servidores do poder executivo, ministros
de Estado, publicitários e outros, acusados de desviar recursos
públicos, mediante ardilosos expedientes. Se as provas forem robustas e
as leis penais violadas, o julgamento técnico suportará o juízo
político. Se não forem suficientemente sólidas, ainda que sugiram a
probabilidade do delito, o Supremo, como é de sua história e natureza,
na obediência ao princípio de que a dúvida os beneficia, absolverá os
réus.
Tantos anos depois da denúncia, a nação quer conhecer a verdade, pelo
menos a verdade que os autos, sob o exame do STF, indicarão. É certo que
não será toda a verdade, e é provável que muitos portem culpas alheias,
mas os juízes, e principalmente os mais altos magistrados do país, não
julgam com provas secretas. Eles se aterão - como impõe a natureza
humana e a inteligência de quem julga - aos documentos reunidos pela
Procuradoria Geral da República.
Ainda que os juízes venham a condenar os réus, seria exagerado
considera-lo o julgamento do século e a sentença política final contra o
PT e seu dirigente Lula. A História não é a imagem de manchas negras do
pecado sobre o fundo imaculado da inocência. Ela se faz da combinação
aleatória entre os vícios e as virtudes. O Partido dos Trabalhadores,
com todos os erros que tenha cometido, contribuiu - ao suportar a
carreira e a candidatura de Lula - para o grande avanço social no país.
Entre outros de seus méritos, Lula devolveu aos brasileiros a parcela de
autoconfiança que perdera durante o governo francamente entreguista e
submisso aos poderosos do mundo, de seu antecessor Fernando Henrique
Cardoso.
Não se pode mais prolongar a suspeita. Se os acusados são inocentes, do
ponto de vista da legislação penal, que tenham os seus direitos
restaurados e sua honorabilidade recuperada. Não obstante isso, estarão
sujeitos ao julgamento da opinião pública. De qualquer forma, depois da
decisão do Supremo, os fatos passam oficialmente ao arquivo da História.
Processos como esses podem contribuir para a reconstrução da República,
de acordo com as exigências do presente. Está faltando bom senso às
nossas instituições republicanas, desde a violação da Carta de 1946,
pelo golpe militar. A Constituição de 1988, foi amputada, ex-abrupto,
pelas emendas antinacionais impostas por Fernando Henrique. E quando lhe
falta o senso comum, conforme a síntese ético-lógica de George E.
Moore, todo pensamento filosófico – incluído o político – é falso. Lula
exerceu o cargo com o senso comum reclamado por Moore, mas não dispunha
de poder suficiente para reconstruir todo o edifício constitucional do
país.
Falta bom senso a um sistema que se estrutura sobre grupos de interesse
corporativo - como as bancadas do agronegócio, dos banqueiros, dos
industriais paulistas, das multinacionais - e não sobre as idéias e
doutrinas que busquem identificar e defender o interesse comum da
nacionalidade. Falta bom senso a um sistema que se declara fundado na
independência dos três poderes, mas que se exerce na prática da
promiscuidade cômoda para os que dela se aproveitam, e inaceitável aos
homens de bem.
Ainda que esse mal seja comum a todas as sociedades políticas
contemporâneas, em nosso caso o problema parece maior, o que é natural,
porque é dentro de nossas fronteiras que vivemos, submetidos às
contingências própria dessa circunstância. E, com todas as dificuldades,
a pressão do povo tem contribuído para o aprimoramento de nossas
instituições.
Do Contexto Livre
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